Em entrevista à DW África, o padre Pio Wacussanga (a voz dos pobres no sul de Angola), salienta que a Igreja Católica de Angola deve aconselhar os políticos a aceitarem o voto do povo. Era bom que assim fosse. Mas, regra geral, a Igreja Católica aconselha o contrário, ou seja, que seja o povo a aceitar o voto dos políticos. E, nestas circunstâncias, o MPLA sorri, aplaude e abre os cordões à bolsa.
O padre afirma que “os resultados foram enviesados”. Por isso, deve haver a recontagem dos votos e a Igreja deve aconselhar os políticos rumo a uma democracia credível.
Recorde-se que, em Novembro do ano passado, várias testemunhas oculares acusaram o governador da província do Cunene, Kundi Paihama, de ter ameaçado agredir um dos mais conhecidos párocos angolanos. E quem era ele? Nem mais: Pio Wacussanga.
De facto, Kundi Paihama continua igual. Nem a idade ajudou. Quando, no dia 12 de Janeiro de 2008, “botou faladura” num comício na sede do Município da Matala, o actual governador do Cunene disse: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.
Os cães ficaram agradecidos e retribuem: “O nosso dono é muito muito bem mandado. Obediente, brincalhão, carinhoso, esperto – só lhe faltava ladrar. Por enquanto”.
Recordemos outros episódio da história, verídica, de Kundi Paihama. Sabemos, é claro, que alimentar a memória é um acto nobre embora, reconhecemos, possa significar um caso de rebelião ou um atentado contra a segurança do Estado.
Discursando em Agosto de 2012 no Estádio Nacional de Ombaka (Benguela) o então ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria (do MPLA), general Kundi Paihama, disse que os que lutarem contra o MPLA e contra José Eduardo dos Santos “vão ser varridos”.
E Kundi Paihama não mentia. Foi assim em 2012 e voltou a ser assim em 2017. O regime, ou seja o MPLA, há muito que começou – embora de forma mais subtil – a pôr a razão da força acima da força da razão, mostrando que só é possível haver paz e democracia em Angola se tudo continuar na mesma. E vai continuar assim, embora o figura em palco seja João Lourenço e não se vejam os cordelinhos manuseados por Kopelipa com poderes delegados por José Eduardo dos Santos.
Ao contrário do que acontecera em 2008 e 2012, o regime tinha indicações fidedignas de que os mortos se recusariam, este ano, a votar no MPLA. Isso não foi impeditivo de uma solução alternativa, testada com êxito nas anteriores eleições, em que em alguns círculos eleitorais apareçam mais votos do que votantes.
Se se estivesse a falar de um Estado de Direito e de uma comunidade internacional honesta, seria criticável que o partido que governa Angola desde 11 de Novembro de 1975, que tem como seu líder carismático e presidente da República alguém que está no poder há 38 anos, sem ter sido nominalmente eleito, sentisse necessidade de continuar a dar imunidade total a essa instituição do MPLA que dá pelo nome de fraude.
Mas como nada disso se passa, tudo voltou a ser feito por medida e à medida do MPLA.
E porque o regime só reconhece a existências de um único deus, José Eduardo dos Santos (que não é o mesmo do padre Pio Wacussanga mas é de muitos dos seus pares), não admite que existam dúvidas, não aceita que a sua liberdade termine onde começa a do Povo. Vai daí, intimida, ameaça, espanca, rapta e mata quem tiver a veleidade de contrariar o regime.
Como dizia o bispo emérito de Cabinda, Paulino Madeca, “quando um político entra em conflito com o seu próprio povo, perde a sua credibilidade, torna-se um eterno ditador”.
Por alguma razão Kundi Paihama, tal como os restantes sipaios (mesmo que com a patente de general) do regime, ordenou aos militantes do seu partido para que controlassem “milimetricamente” todas as acções da oposição, para não serem “surpreendidos”.
E da oposição são todos os que pensam de maneira diferente. O padre Pio Wacussanga sabe disso. Sabe que se arrisca a chocar contra uma bala perdida, eventualmente disparada do túmulo por Jonas Savimbi…
Na senda do que tem feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição (designação, corrobore-se, que abarca todos os que não são do MPLA) de enveredar por manifestações de desrespeito pelas leis do país. E quais são essas leis? Todas elas se resumem na lei das leis: o MPLA é Angola e Angola é o MPLA.
Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder as eleições.
Para além do domínio quase total dos meios mediáticos, tanto nacionais como estrangeiros, o MPLA aposta forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror e de intimidação que, aliado à fraude, perpetuam o seu poder.
Daí que todos aqueles que têm, tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de armas são terroristas que devem “ser varridos”. E o pensamento, tal como a palavra (acredite padre Pio Wacussanga), enquadram-se na definição oficial de “armas”, pelo que quem as usar são obviamente terroristas.
E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada que tem na primeira linha das suas opções e que é tão do agrado das potências internacionais, e que é a de que há perigo de terrorismo, de guerra civil.
Um dias destes, tal como disse que os jovens activistas queriam que a “NATO atacasse Angola”, ainda vamos ver Luvualu de Carvalho ou João Pinto defenderem a tese de que o facto de a UNITA entender que o resultado das eleições são uma fraude resulta das reuniões que o Estado-Maior de Isaías Samakuva tem todas as noites junto ao túmulo de Jonas Savimbi para receber instruções…
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